Joaquim Barbosa classifica impeachment de Dilma de farsa e avalia que Temer pode não chegar ao fim do Governo

  • 01/12/2016

joaquim

Ele passou muito tempo sem dar entrevistas à imprensa. Mas resolveu falar com a colunista da Folha de São Paulo, Mônica Bérgamo. O ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, garante que o impeachment de Dilma Rousseff não passou de uma encenação. Além disso, acredita que a situação de Michel Temer começa a ficar insustentável e ele pode não chegar ao fim do Governo.

Vale a pena conferir um trecho da entrevista:

Folha – O senhor escreveu há alguns meses em sua conta no Twitter que o afastamento de Dilma Rousseff foi um “impeachment Tabajara”. Por quê?

Joaquim Barbosa – Tabajara porque aquilo foi uma encenação. Todos os passos já estavam planejados desde 2015. Aqueles ritos ali [no Congresso] foram cumpridos apenas formalmente.
O que houve foi que um grupo de políticos que supostamente davam apoio ao governo num determinado momento decidiu que iriam destituir a presidente. O resto foi pura encenação. Os argumentos da defesa não eram levados em consideração, nada era pesado e examinado sob uma ótica dialética.

Folha – O que sustentava esse grupo? Porque dez pessoas apenas não fazem um impeachment?

Joaquim Barbosa – Era um grupo de líderes em manobras parlamentares que têm um modo de agir sorrateiro. Agem às sombras. E num determinado momento decidiram [derrubar Dilma].
Acuados por acusações graves, eles tinham uma motivação espúria: impedir a investigação de crimes por eles praticados. Essa encenação toda foi um véu que se criou para encobrir a real motivação, que continua válida.

Folha –  O senhor acha que ainda há risco para as investigações que estão em curso?

Joaquim Barbosa – Há, sim, porque a sociedade brasileira ainda não acordou para a fragilidade institucional que se criou quando se mexeu num pilar fundamental do nosso sistema de governo, que é a Presidência. Uma das consequências mais graves de todo esse processo foi o seu enfraquecimento. Aquelas lideranças da sociedade que apoiaram com vigor, muitas vezes com ódio, um ato grave como é o impeachment não tinham clareza da desestabilização estrutural que ele provoca.

Folha – O impeachment foi um golpe?

Joaquim Barbosa – Não digo que foi um golpe. Eu digo que as formalidades externas foram observadas, mas eram só formalidades.

Folha – O impeachment não teve o apoio de setores econômicos?

Joaquim Barbosa – A partir de um determinado momento, sob o pretexto de se trazer estabilidade, a elite econômica passou a apoiar, aderiu. Mas a motivação inicial é muito clara.

Folha – E qual é o problema do enfraquecimento da Presidência?

Joaquim Barbosa – No momento em que você mina esse pilar central, todo o resto passa a sofrer desse desequilíbrio estrutural. Todas as teorias dos últimos 30 anos, de hipertrofia da Presidência, de seu poder quase imperial, foram por água abaixo. A facilidade com que se destituiu um presidente desmentiu todas essas teses.
No momento em que o Congresso entra em conluio com o vice para derrubar um presidente da República, com toda uma estrutura de poder que se une não para exercer controles constitucionais mas sim para reunir em suas mãos a totalidade do poder, nasce o que eu chamo de desequilíbrio estrutural.
Essa desestabilização empoderou essa gente numa Presidência sem legitimidade unida a um Congresso com motivações espúrias. E esse grupo se sente legitimado a praticar as maiores barbáries institucionais contra o país.
Durante alguns meses, em palestras, eu indagava à plateia: vocês acham que, concluído o impeachment, numa democracia dessa dimensão, o país sobreviverá por dois anos e meio à turbulência política que se seguirá?

Folha – E qual é a sua resposta?

Joaquim Barbosa – Nós continuaremos em turbulência. Isso só vai acabar no dia em que o Brasil tiver um presidente legitimado pela soberania popular. Aceito de forma consensual, límpida, tranquila, pela grande maioria da população.

Folha – O Senhor já disse que talvez o governo não chegue ao fim.

Joaquim Barbosa – Corre o risco. É tão artificial essa situação criada pelo impeachment que eu acho, sinceramente, que esse governo não resistiria a uma série de grandes manifestações.